sábado, novembro 29, 2025

A transmutação provocada pelo apaixonamento

 

O apaixonamento romântico-erótico é, antes de tudo, um fenômeno de fusão. Não é apenas “gostar muito” de alguém, nem a soma de qualidades agradáveis que, empilhadas, produzem um resultado especial. É algo mais radical: como quando hidrogênio e oxigênio se unem e deixam de ser gases para virar água. Entre duas pessoas, a fusão amorosa cria um estado novo, que não se reduz às características de cada um isoladamente. Nasce um vínculo com sabor próprio, um tipo de apego em que a presença do outro reorganiza o modo de sentir, de pensar e até de olhar o mundo.

Esse estado de fusão aparece em outras áreas da vida: no amor por um filho, no apego a um cachorro ou gato, no orgulho quase patriótico pela própria nação ou por um time de futebol. Em todas essas situações, acontece algo semelhante: a pessoa se torna menos egoísta em relação àquele objeto de apego, sente prazer em pensar nele, sacrifica tempo e recursos, perdoa com mais facilidade. A crítica diminui, a aceitação aumenta. Mas, no apaixonamento romântico-erótico, essa fusão ganha uma coloração específica: envolve erotismo, projeto de casal, lugar social de “parceiro amoroso” e uma promessa de vida compartilhada que não existe do mesmo modo na amizade ou na parentalidade.

Para que essa linha de apaixonamento possa surgir, não basta apenas encontrar alguém “interessante”. Há um pano de fundo silencioso: um certo grau de suscetibilidade interna, um estado em que a pessoa está disponível, carente, curiosa, ou simplesmente em um momento da vida em que faz sentido se aproximar de alguém. Há também o campo de pessoas elegíveis. Na prática, apaixonar-se intensamente por alguém de um mundo completamente estranho ao seu é raro. As diferenças de classe, de estilo de vida, de valores e de redes de relação funcionam como barreiras invisíveis. A homogamia – essa compatibilidade de mundos – não garante a paixão, mas abre a possibilidade. A heterogamia muito grande funciona como um freio: mesmo que haja fascínio, o organismo psicológico percebe o tamanho da encrenca.

Além disso, existem os vetos. Há pessoas que nos atraem à primeira vista, mas logo se revelam humilhantes, indiferentes, agressivas, golpistas, mentalmente instáveis demais. Outras, simplesmente não nos veem, não nos tratam bem, não nos dão nenhuma esperança. A linha do apaixonamento, que poderia começar a se desenhar, é cortada pela percepção de risco, injustiça ou inviabilidade. E há ainda os vetos internos: quem já está comprometido e leva a sério esse compromisso pode desviar o olhar, evitar certas aproximações, reinterpretar acontecimentos justamente para não abrir espaço para um novo apaixonamento. O próprio senso de responsabilidade funciona como antídoto contra o encantamento.

Quando, apesar disso, a paixão nasce, quase sempre há uma figura específica que concentra o processo. Não é qualquer pessoa. É alguém que, aos olhos de quem se apaixona, representa um certo ideal de sucesso dentro do seu mundo. Alguém que seria admirado, respeitado, talvez copiado pelos outros. Uma pessoa de cujo lado se teria orgulho de ser visto. Mais do que isso: essa figura encarna o papel de parceiro amoroso desejável. Tem características físicas que agradam, um jeito de ser que combina com o que se espera de um cônjuge, um modo de viver que convida para um mundo no qual se gostaria de entrar ou permanecer.

Mas ainda assim, só isso poderia levar à amizade, à admiração distante, a uma relação profissional cordial. O que desloca a relação para o canal propriamente amoroso é a marcação romântica. A forma como o outro nos trata como homem ou como mulher, não apenas como colega, amigo ou cliente. O olhar que reconhece nossa masculinidade ou feminilidade de um jeito particular; o flerte, a atitude que deixa claro que ali há desejo e interesse amoroso, não apenas simpatia. É essa marcação – muitas vezes sutil, às vezes descaradamente charmosa – que abre o canal da fusão romântico-erótica.

E então entra em cena algo que Stendhal descreveu com grande precisão: a esperança combinada com uma certa dose de insegurança. Se tudo parecer impossível desde o início, não há linha de apaixonamento que se sustente. Se tudo for fácil demais, garantido, sem riscos, a atenção se dispersa. O combustível da paixão é essa oscilação: um dia um gesto de ternura, um olhar demorado, uma resposta calorosa; no outro, uma demora, uma ausência, uma dúvida. Nessa alternância, a pessoa passa a pensar mais, a desejar mais, a ler sinais, a comemorar pequenos avanços, a sofrer levemente com as lacunas. O tempo de desejar, de fantasiar, de não ter completamente, torna-se tão importante quanto o tempo de estar junto. É nesse intervalo que a mente começa a cristalizar o outro, adorná-lo de qualidades, imaginar cenas futuras, “melhorar” cada detalhe com a imaginação.

Quando essa cristalização atinge uma certa intensidade, acontece a virada: a fusão amorosa propriamente dita. É o momento em que “não consigo tirar os olhos de você” deixa de ser só uma frase de música e vira um estado mental real. O outro passa a ocupar o centro do campo de atenção. Pensar nele é prazeroso. A presença física acende o corpo e acalma ao mesmo tempo. Os defeitos continuam lá, mas encolhem. Os erros são relativizados, explicados, desculpados. Surge uma disposição espontânea para o sacrifício, para a dedicação, para reorganizar planos. É aqui que a causalidade se inverte: não foi a soma das pequenas qualidades que “fabricou” a paixão, é a paixão que agora reorganiza a percepção de todas as pequenas coisas que o outro faz.

Algo semelhante pode acontecer por outras vias. No casamento arranjado, por exemplo, o compromisso vem antes da fusão. Duas pessoas são colocadas no mesmo barco e, a partir daí, começam a ver o mundo um pouco mais pelos olhos uma da outra. O pacto social e familiar funciona como cimento; o amor pode crescer dentro dele com o tempo, às vezes numa forma mais morna, mais próxima do amor de convívio. Há também o caminho pragmático, em que alguém avalia prós e contras, percebe que aquela união é um “bom negócio” afetivo, prático, social, e passa a olhar o parceiro com boa vontade. Em ambas as vias, pode surgir carinho, apego, até uma forma de fusão. Mas o apaixonamento romântico-erótico tem uma intensidade e uma rapidez próprias: já nasce com a lente da fantasia positiva e com a tendência à idealização.

Isso não significa que o apaixonamento seja puro milagre, fora de qualquer compreensão. Pelo contrário, até certo ponto é possível otimizar as chances de que ele aconteça entre duas pessoas compatíveis. Quem deseja conquistar alguém precisa, antes de tudo, estudar o mundo dessa pessoa: que tipo de figura é admirada ali, que estilo de caráter é visto como respeitável, que tipo de parceiro ela teria orgulho de apresentar socialmente, com quem se sentiria crescida, validada, ampliada. Em seguida, é possível trabalhar para aproximar-se, de forma autêntica, de um personagem amoroso que faça sentido dentro desse universo: modo de se vestir, jeito de conversar, coragem, capacidade de iniciativa, delicadeza, humor, firmeza, tudo isso pode ser ensaiado, afinado, amadurecido.

Esse trabalho não precisa ser uma farsa. Ele pode ser um processo de expansão do eu. Como um ator bem dirigido, a pessoa pode aprender a incorporar uma matriz de personagem – não para repetir falas artificiais, mas para descobrir modos de ser que estavam adormecidos, timidamente presentes ou mal treinados. Nesse sentido, o “personagem amoroso” é menos uma máscara e mais uma versão potencial de si mesmo, que encontra nas relações amorosas um palco para florescer.

No fim, o apaixonamento romântico-erótico é esse encontro entre um terreno humano preparado, um outro que encarna um ideal possível, a abertura explícita do canal amoroso e a dança delicada entre esperança e insegurança. Quando tudo isso se alinha, a fusão acontece e, por um tempo, o mundo fica mesmo colorido por aquela presença. Não porque o outro seja perfeito, mas porque, naquele estado, o olhar que pousa sobre ele – e sobre a própria vida – se torna capaz de enxergar beleza onde antes havia apenas neutralidade. É esse brilho a mais, essa reorganização profunda da percepção e da motivação, que faz com que a paixão seja, ao mesmo tempo, tão perigosa, tão irracional e tão irresistivelmente romântica.

(Texto editado pelo ChatGPT)

quinta-feira, novembro 27, 2025

Como é o mundo que você oferece para o seu par amoroso?

 

Existe uma ideia muito difundida de que as pessoas podem gostar uma da outra independentemente de nível econômico, nível cultural, rede de relações e maneiras de viver a vida. Seria algo assim: não importa o contexto, a pessoa pode se atrair pela outra, se apaixonar, casar e serem felizes. Essa ideia é bonita – e às vezes até acontece – mas tem sérias limitações.

As pessoas têm diferenças muito grandes, e vínculos profundos exigem algum grau de reciprocidade e compatibilidade de mundo. A pessoa por quem estou interessado vive em certo ambiente: tem determinadas condições de vida, valores, hábitos, amizades, família, um jeito de circular pelo mundo. Esse conjunto poderá ou não acolher o outro – e isso vale nos dois sentidos. Não se trata só de renda, mas de valores, tipo de lugar que frequenta, pessoas que a cercam, modo de enxergar o que é uma “boa vida”.

Gostar de um mundo, sentir-se pertencente a ele, achar natural usufruir e participar de certas experiências é algo mais profundo do que “poder” financeiramente. Se o outro vem de contexto muito diferente, integrado a outros estilos de vida, pensamentos, hábitos culturais e alimentares, outra maneira de ver o que importa na vida, as diferenças aparecem em vários níveis. Isso ajuda a entender, de forma concreta, a necessidade de homogamia ou homofilia: para haver envolvimento amoroso ou mesmo amistoso profundo, precisa existir alguma compatibilidade de mundo. Sem isso, as pessoas podem viver em “dimensões diferentes”, que se tocam só em alguns pontos soltos.

Entra aí a hipergamia: a tendência de desejar algo “melhor” (entre aspas) – mais dinheiro, mais cultura, mais viagens, mais lazer, melhor comida, ambientes mais valorizados. Essa hierarquia do desejável é muito intuitiva. Mas ela vale dos dois lados: se um lado está buscando “para cima”, por que o outro lado – que também tem seus desejos e sua própria tendência hipergâmica – aceitaria alguém que não lhe oferece algo admirável, desejável, com o qual queira se identificar? Isso já desequilibra a relação de saída.

Essa discussão leva diretamente à pergunta: que mundo concreto cada pessoa oferece ao se envolver?


O mundo em que cada pessoa vive – e que ela oferece ao parceiro – é composto por condições objetivas e subjetivas. Ele é configurado em grande parte pela capacidade econômica, mas não se reduz a isso. Bairro em que se mora, tipo de casa, clube (se houver), restaurantes, viagens possíveis, tempo de lazer, vestuário, carro… tudo isso participa do que podemos chamar de mundo de convivência ou mundo compartilhado: o cenário em que o relacionamento acontece.

Alguns recursos melhoram objetivamente a qualidade de vida: quantas horas se passa no trânsito para ir e voltar do trabalho; acesso à saúde; ensino de qualidade; tempo de lazer; tempo para dormir; tempo para ver amigos; dinheiro para comprar coisas boas; dinheiro para viajar. Há também necessidades básicas cuja satisfação muda radicalmente a vida: comida adequada, abrigo, possibilidade de dormir bem, proteção contra o frio, acesso a medicações. Sem isso, a vida fica comprometida em seus fundamentos.

Outros elementos dizem respeito ao estilo de vida e à motivação. Ter recursos não garante que a pessoa vá aproveitar o que a cidade, a natureza e a cultura oferecem. É preciso ter gosto e disposição para frequentar parques, praças, centros culturais, exposições, festas públicas, shows gratuitos – ou, em contextos menos urbanos, os recursos que aquele lugar permite. Alguém pode se realizar em carnaval, shows, teatro, dança; outra pessoa em programas caseiros, atividades intelectuais, artísticas ou espirituais. Isso não significa, por si só, “aproveitar mais ou menos a vida”.

Mas, quando pensamos no mundo que será compartilhado, entra um critério a mais: não basta eu gostar do meu jeito de viver, é importante que aquilo que ofereço também envolva o parceiro, o alegre, o faça aproveitar e se sentir pertencente. O mundo precisa ser minimamente compartilhável.

Tão importante quanto ter recursos – econômicos, culturais, escolaridade, network – é o uso que se faz deles. Duas pessoas com mesma renda podem viver em mundos muito diferentes. Uma explora a cidade, varia programas, aproveita férias, cultiva amizades. Outra se restringe a uma rotina mínima, quase sem lazer ou curiosidade. O mesmo vale para a cultura: alguém com alta escolaridade pode frequentar exposições, concertos, cursos e enriquecer a vida – ou praticamente ignorar tudo isso.

Quem vive em uma cidade grande, com muitos serviços e opções de lazer, teoricamente tem mais recursos disponíveis. Ainda assim, há gente que vive de forma muito restrita, com menos experiências do que alguém em uma cidade pequena, mas que aproveita intensamente o que tem. Ao mesmo tempo, existem pessoas com poucos recursos econômicos que levam uma vida “colorida”: sabem o que acontece ao seu redor, aproveitam eventos gratuitos, espaços públicos, encontros simples com amigos. A vida é rica porque existe gosto de viver a vida: vontade de fazer coisas, participar, frequentar, se entregar às possibilidades disponíveis.

Esse “gosto de viver” talvez seja um dos principais determinantes das atividades. Envolve expandir limites, fazer contatos, se envolver, interagir com o que a vida oferece. Sempre há algo possível dentro das limitações de cada um. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que, em alguns casos, a dificuldade de aproveitar a vida não é simples “falta de vontade”, mas pode estar ligada a depressão, ansiedade, timidez extrema, sobrecarga de trabalho ou outras condições psicológicas e sociais. Não é só uma questão de caráter.

Quando alguém “não gosta de nada” ou “não tem motivação para quase nada”, isso tende a empobrecer o mundo compartilhado: a vida do casal fica mais repetitiva, com os mesmos hábitos, em qualquer faixa de recursos. Mas é importante não transformar isso em moralismo: às vezes, há sofrimento psíquico e contexto adverso por trás.

Além da dimensão econômica e do gosto pela vida, há o componente social: amigos, grupos, ambientes que a pessoa frequenta. As amizades ajudam a manter o relacionamento, oferecem apoio, ajudam a interpretar situações, podem abrir oportunidades de lazer, de trabalho, de projetos. A rede de relações – parentes, amigos, conhecidos – compõe o clima emocional, as conversas, os valores e até o modo de enfrentar crises.

Outro elemento são as viagens. Elas dependem de condição econômica e também do valor cultural atribuído a conhecer outros lugares. Algumas pessoas priorizam viagens; outras quase não viajam, mesmo podendo. Viagens criam memórias compartilhadas, novos temas de conversa, ampliam a visão de mundo do casal.

Soma-se a isso o lazer cotidiano: sair para restaurantes, cinema, teatro, shows, parques, exposições; ou preferir cozinhar em casa, ver filmes, receber amigos. Tudo isso faz parte do mundo de convivência.

O mundo econômico aparece também nas condições de saúde e educação: que escolas os filhos (se houver) poderão frequentar, que hospitais e serviços de saúde estarão disponíveis, que especialistas e exames são acessíveis, que tipo de alimentação e de moradia é viável. Esse raciocínio vale para casais com filhos, sem filhos, heterossexuais ou homoafetivos: em todos os casos, há um mundo compartilhado em jogo.

Esse mundo é apenas parcialmente determinado por nível de escolaridade, renda e idade. Dentro de cada faixa há enorme variação. Uma pessoa com muito dinheiro e alta escolaridade pode viver uma vida pobre em experiências, obcecada por acumular, com o dinheiro parado. Outra, com condições semelhantes, pode viajar, aproveitar temporadas, ter bom acesso à saúde, comprar tempo livre, promover encontros, usufruir da cultura e do lazer.

O que tende a ser comum nesses casos é a segurança econômica: ter reservas para emergências e certa liberdade para aceitar ou recusar situações desagradáveis. Mesmo assim, muitas pessoas com dinheiro vivem como se não tivessem, movidas por medos e crenças. Já quem realmente não tem bens enfrenta uma limitação concreta, que reduz a margem de escolha.


Quando duas pessoas se envolvem amorosamente, não se ligam apenas uma à outra, mas também aos mundos em que cada uma vive. O mundo em que cada parceiro vive – e que oferece ao outro – é algo valioso, talvez imprescindível. Diferenças de mundo podem ser enriquecedoras, especialmente para quem “migra” para um universo mais amplo e estimulante. Mas para quem teria de fazer um “downgrade”, abrir mão de muitos recursos, hábitos e oportunidades, a adaptação pode ser custosa ou inviável.

Em resumo, não basta perguntar “quanto essa pessoa tem?” ou “qual é a sua escolaridade?”, nem se apoiar na fantasia de que “o amor vence qualquer diferença de mundo”. A pergunta mais realista é: como essa pessoa vive? Como usa os recursos que possui? Qual é o seu gosto de viver a vida? Qual é o mundo concreto – de lugares, pessoas, hábitos, experiências e oportunidades – que ela já construiu e que você passaria a compartilhar ao se comprometer com ela?

Algumas perguntas práticas ajudam a avaliar esse mundo de convivência e a compatibilidade entre mundos:

  • Como essa pessoa usa o tempo livre?
  • Que tipo de lazer ela pratica e que tipo de lazer ela oferece?
  • Que amigos, família e ambientes vêm junto com ela?
  • Ela tem gosto de viver ou vive em modo “sobreviver”?
  • O mundo que ela oferece é um mundo em que você se vê vivendo, crescendo e se alegrando junto?
  • As diferenças entre o seu mundo e o dela são sobretudo enriquecedoras, ou geram sensação de desajuste, downgrade ou permanente desconforto?

Essas questões tornam concreto porque homogamia, homofilia e hipergamia não são apenas conceitos abstratos, mas forças centrais na formação, na qualidade e na viabilidade dos relacionamentos amorosos profundos.

domingo, novembro 23, 2025

Medidas certas para iniciar novos relacionamentos: aumentar a sua visibilidade e eficácia para agir socialmente

 

As pessoas gastam muito tempo e muitos recursos tentando melhorar seus atributos para conquistar a atenção, a admiração e a consideração alheia. Isso, até certo ponto, funciona. No entanto, há um grande equívoco nessa estratégia quando ela é vista como o principal caminho para formar relacionamentos amorosos bem-sucedidos. Em geral, as pessoas vão se conectar com seus assemelhados, de acordo com o princípio da homogamia ou homofilia. Ou seja, grande parte dos recursos necessários para acontecer essa conexão já está presente na medida em que elas são parecidas entre si.

Os recursos adicionais – sucesso financeiro, maior escolaridade, fama, mais beleza – podem, sim, permitir que a pessoa mude de grupo e passe a frequentar um meio que tenha mais qualidades do que o grupo atual, compatível com as suas qualidades presentes. Porém, na maioria das vezes, a pessoa está tentando impressionar justamente o seu grupo atual. Busca se destacar para conquistar a admiração daqueles com quem já convive. Essa é uma via: o destaque pela diferenciação e admiração.

A outra via – que talvez seja a principal, especialmente na área amorosa – não é aumentar indefinidamente as qualificações, mas sim aumentar a visibilidade. Como assim? As pessoas precisam frequentar locais e atividades em que existam outras pessoas compatíveis com elas para os fins que desejam: amor, negócios, amizade. Se isso não acontece, elas podem ter todas as qualidades do mundo, mas não acessam pessoas para as quais essas qualidades seriam atraentes – e o inverso também. Não adianta comprar roupas, fazer plástica, malhar na academia, ganhar mais dinheiro, se tudo isso não é colocado em contato com pessoas que se interessam por isso e que também poderiam impressioná-las.

A maioria das pessoas se casa com assemelhados. Esses assemelhados já estão organizados em grupos. O que a pessoa precisa fazer é encontrar esses grupos, aumentar a própria visibilidade na presença deles e ter chance de localizar possíveis parceiros compatíveis. Esse é o maior trabalho, e não simplesmente aumentar indefinidamente as qualificações. O aumento de qualificações serve, sim, para uma coisa importante: dentro do grupo de homófilos, ela terá que se destacar. Se ficar na média, não chama atenção. A média funciona como camuflagem social. Se tiver qualificações um pouco acima da média naquele meio, poderá chamar atenção e ser admirada pelas pessoas do grupo que lhe interessa – e esse mesmo grupo tenderá a se interessar por ela. As qualificações extras servem, então, para isso: destacar-se dentro do grupo adequado.

Mas não basta apenas estar no grupo. Há contextos que reúnem muita gente compatível, mas não são propícios para contato. Por exemplo, uma peça de teatro ou uma conferência podem reunir muitas pessoas com perfil semelhante, porém o ambiente não facilita nem estimula conversas entre desconhecidos. Às vezes, tentar conversar chega a ser inconveniente, como durante a peça ou durante um show. Existem, por outro lado, locais e atividades que concentram pessoas assemelhadas e facilitam, estimulam ou até exigem contatos: cursos, grupos de trabalho, oficinas, atividades em equipe, grupos de interesse, dança, esportes coletivos etc. É esse tipo de contexto que a pessoa precisa buscar.

Mesmo em locais que favorecem o contato, ainda assim ela terá que mobilizar habilidades específicas: chamar atenção de modo adequado, tomar iniciativas, sinalizar disponibilidade e disposição para se aproximar. Terá que mostrar comportamentos apaziguadores, afiliativos, interesses amorosos através do flerte. Nesses ambientes, não basta ficar parada num canto: será necessário circular, fazer contato, iniciar conversas, sustentar interações e usar suas habilidades para gerar, ali na hora, um clima propício a um possível envolvimento.

Por fim, não se trata apenas de habilidade técnica. A pessoa precisa ter tranquilidade interna para agir. Precisa confiar que isso pode ser feito, que é correto, que “não tem nada de errado” em se aproximar. Precisa acreditar que tem condições, que é capaz de atrair, que tem algo a oferecer que pode contribuir para o sucesso de um relacionamento. Sem essa confiança básica, ela até pode ter boas qualidades e boas oportunidades objetivas, mas continuará travada, invisível ou camuflada bem no meio do grupo que, em tese, seria ideal para ela.

Pronto! Esse é o caminho para novos contatos significativos. Vamos colocar em prática? Se a dificuldade for excessiva, procure a ajuda de um psicólogo adequado.

domingo, novembro 16, 2025

Os Estilos de Amor, segundo John Allan Lee

 


(Ilustração criada pelo ChatGPT)

(Este texto foi publicado originalmente no meu livro "O Mapa do Amor" (Editora Gente)

“Os nossos olhos só possuem receptores para três cores: o amarelo, o azul e o vermelho. São as chamadas cores primárias. No entanto, somos capazes de perceber mais de 8 milhões de variações de cores. A nossa capacidade de perceber essa quantidade enorme de variações de cores pode ser explicada por um mecanismo muito simples. Ela é fruto de uma infinidade de combinações entre diferentes intensidades das estimulações dos três receptores de cores que existem em nossos olhos” – O Mapa do Amor, p. 24.

De acordo com Lee, assim também existem três estilos primários de amor: Eros, Ludos e Estorge. Todos os tipos de amor, de alguma forma, têm sua origem na combinação desses três tipos básicos de amar.

As características desses três estilos básicos e de mais três estilos secundários – Mania (combinação de Eros e Ludos), Pragma (combinação de Ludos e Estorge) e Ágape (combinação de Eros e Estorge), são as seguintes:

Estilos básicos de amor:

1)      Eros – Pode surgir à primeira vista. Sente atração imediata, principalmente por causa da aparência da outra pessoa, e é motivado por interesse sexual. “Não teme se entregar ao amor, mas também não está ansioso para amar” – p. 25.

2)      Estorge – O amor se desenvolve gradativamente no decorrer de uma relação de amizade. Nesse período leva-se em conta interesses e semelhanças em comum. “O contato sexual é menos enfatizado e começa relativamente mais tarde” – p.26.

3)      Ludos – É o tipo de amor em que a relação com o outro é casual e passageiro. É muito bom enquanto dura. É o principal motivo da onda do “ficar”. A pessoa que é movida por esse tipo de amor é capaz de flertar com diferentes pessoas no mesmo período de tempo. O que importa é o prazer da sedução e da conquista. E assim, o que importa é o momento em que você está com a pessoa que quer, depois parte-se para outra. “As promessas são válidas apenas no momento em que são apresentadas, e não no futuro. Afirmação típica de quem tem esse tipo de amor: ‘Eu gosto de jogar o jogo do amor com diferentes parceiros simultaneamente’”

Estilos secundários de amor:

1)      Mania (composto de Eros e Ludos) – As principais características desse tipo são: insegurança, possessividade e ciúme. A emoção gerada é quase obsessiva a ponto da pessoa querer ficar o tempo todo com o outro e está sempre exigindo uma prova de amor. Está sempre tentando atrair a atenção do outro em busca de afirmação.

2)      Pragma (composto de Ludos e Estorge) – As principais características desse tipo são: planejamento e avaliação. Antes de começar o relacionamento, leva-se em conta na escolha, aspectos como, compatibilidade e satisfação mútua das necessidades, de maneira que “as pessoas desse estilo examinam os pretendentes para ver se atendem a uma série de expectativas antes de se envolver com eles.”

3)      Ágape (composto de Estorge e Eros) – As principais características desse tipo são: ausência de egoísmo, cuidado e preocupação em primeira instância com o outro. O impulso natural de quem sente esse tipo de amor, consiste no seguinte lema: primeiro ele(a), depois eu. O autor declara que a afirmação típica de quem tem esse estilo de amor é: “Eu prefiro sofrer a fazer o meu amor sofrer”.

quinta-feira, novembro 13, 2025

Como eliminar barreiras que impedem de se mostrar, ver e atrair parceiros amorosos

 


(Ilustração ChatGPT)

Tornar-se um parceiro amoroso apropriado não exige ser extraordinário. Para que se abra a possibilidade de nascer o amor. Não é necessário ser “o mais bonito”, “o mais interessante” ou “o mais brilhante” da turma. Em geral, o que aumenta a chance de nascer o amor não é possuir características admiráveis excepcionais, e sim não ter características intoleráveis para aquela pessoa – tanto no plano absoluto (violência, desonestidade extrema, grosseria crônica) quanto no plano relativo (características que  diferem demais das suas próprias características: idade, aparência, nível de escolaridade etc.).

Ou seja:

  • Basta ter um capital inicial minimamente adequado. Ter um bom grau de afinidade demográfica (faixa etária, nível de escolaridade, contexto social etc.),
  • Ter ausência de vetos fortes: características insuportáveis para essa finalidade: enorme diferença de idade, nível de escolaridade, valores etc.

Muita gente preenche esses requisitos quando o alvo são pessoas do mesmo grupo demográfico. O problema não é “falta de gente boa”; o problema, muitas vezes, é não conseguir se enxergar e ser enxergado como parceiro amoroso adequado.


Capital inicial, vetos e o mínimo necessário para o amor

Podemos pensar assim:

  • Características admiráveis excepcionais (beleza muito acima da média, status altíssimo, talento extraordinário) ajudam a acender um fascínio inicial, uma “faísca”.
  • Mas, na prática, o que mais regula a chance de namoro e casamento são:
    • Semelhanças em muitas áreas: “Gente como a gente”.
    • Possibilidade de nascer atração romântica e sexual.
    • Ausência de características absolutas intoleráveis: violência, falta de caráter, vícios graves sem controle, desrespeito sistemático etc.
    • Ausência de características relativamente intoleráveis: coisas que, para aquela pessoa, são “não dá” – religião, posição política, estilo de vida, projetos de vida radicalmente divergentes, tipos de sexualidade, postura financeira, etc.

Se não houver vetos fortes e se o capital inicial for minimamente compatível e haver chances de nascer atração romântica e sexual, o que passa a mandar é convivência, visibilidade e acessibilidade. É aí que entram os papéis, a forma como a pessoa se apresenta e se deixa perceber.


Papéis amorosos e perda de visibilidade

Um ponto crucial:
Mesmo quando alguém teria capital inicial adequado, o papel amoroso pode ficar invisível se outros papéis forem carregados demais:

  • Só colega de trabalho;
  • Só amigo conselheiro;
  • Só figura profissional;
  • Só a “pessoa legal” do grupo.

Quando isso acontece, a pessoa pode ser ótima para ser parceira, mas não aparece cognitivamente como parceira amorosa. E aí o amor não nasce não por falta de qualidades, e sim por falta de enquadramento e de campo de visão amoroso.

Quando a parceira ou parceiro não tem capital inicial adequado para aquele alvo específico, o papel amoroso já começa com pouca visibilidade e outros papéis dominam.
Quando tem capital inicial suficiente e não há vetos, é a possibilidade e a visibilidade do papel amoroso que passam a fazer diferença.


Fazendo-se notar sem se entregar

A questão não é “seduzir” no sentido teatral; é aparecer como possível parceiro amoroso sem se colocar como “já conquistado”.

Alguns pontos que contribuem para o nascimento do interesse amoroso:

  • Mover-se no campo de visão do outro: estar presente, circular pelos ambientes em que a pessoa está, criar proximidade física e social.
  • Usar produção adequada (roupas, postura, cuidado com o corpo) que ressalte positivamente seus sinais de gênero e suas qualidades.
  • Apresentar comportamentos afiliativos (aproximadores, calorosos) e apaziguadores (que reduzem tensão e hostilidade).
  • Não se mostrar totalmente entregue, de forma que o outro sinta que ainda há algo a ser conquistado.
  • Mostrar animação com a vida, vitalidade e saúde: rir, brincar, dançar, “jogar a cabeça para trás e dançar” mesmo – isso comunica que a vida pulsa ali.

Ter ou criar oportunidades de encontro é decisivo:
frequentar “paqueródromos”, lugares em que as pessoas vão para conhecer algum pretendente, mas também ambientes em que o encontro acontece por outro motivo não amoroso (escola, trabalho, clube, curso, viagem, projeto).

A pessoa tende a nos “comprar” pelo valor que nos damos e mostramos ter, especialmente se percebe que temos opções. Tudo isso aumenta a chance de que o outro nos registre mentalmente como candidato amoroso, não apenas como cenário de fundo.


O mito da supersedução e da beleza excepcional

Muita gente acredita que, para aumentar as chances de iniciar um relacionamento amoroso, o principal é:

  • Ficar muito mais bonito,
  • Tornar-se altamente sedutor,
  • Aprender técnicas sofisticadas de conquista.

Tudo isso pode ajudar, claro. Mas talvez não seja o fator principal.

Se o amor dependesse de características extraordinárias, seria preciso supor que quase todo mundo é extraordinário, porque quase todo mundo se apaixona, desperta paixão e se casa.

É mais razoável supor que:

  1. O que bloqueia possibilidades amorosas são os vetos, absolutos e relativos.
  2. Uma vez que não haja vetos fortes, bastam:
    • visibilidade,
    • acessibilidade,
    • convivência,
    • sinais de abertura e interesse,
      para que, com o tempo, surjam atração, admiração e apego.

Daí a pergunta provocadora:

O que é belo atrai, ou aquilo que passa a nos atrair por outros motivos é que vai ficando belo?

Quando alguém se torna visível, se aproxima, gera esperança de reciprocidade e começa a ocupar espaço na nossa vida, tendemos a vê-la como mais bela e valiosa.


Admiração: causa ou efeito do amor?

A admiração não precisa estar totalmente presente no começo.

Em muitos casos:

  • Primeiro a gente convive,
  • Gosta da presença da pessoa,
  • Ela passa a ocupar espaço na nossa vida,
  • Depois: começa a admiração de qualidades que antes eram neutras ou pouco notadas.

As pessoas, em geral, admiram mais seus amigos do que desconhecidos. Parceiros amorosos, em geral, veem mais qualidades em seus parceiros do que em seus amigos. Mães tendem a ver mais valor nos próprios filhos do que nos filhos dos outros.

Essa evidência aponta para um mecanismo importante:

A afetividade que sentimos aumenta nossa percepção de valor do outro.
Os erros se tornam mais desculpáveis, as qualidades ficam mais salientes, a pessoa nos parece mais atraente.

Ou seja:
muitas vezes a admiração é produto do vínculo, e não o contrário.


Graça, fascínio e esperança de acesso

Claro, existe o fator graça/fascínio: uma pessoa pode, de saída, causar um impacto sensorial e emocional forte.

Funciona mais ou menos assim:

  1. Primeiro, há um impacto quase sensorial: rosto, corpo, voz, jeito, estilo.
  2. Em seguida, surge o desejo de que ela se interesse por nós.
  3. O interesse dela, se aparece, dá uma sensação de vitória, de satisfação.

Esse processo é análogo ao que acontece com objetos: um carro, um quadro, uma joia. Vemos algo bonito, sentimos impacto, depois podemos passar a desejá-lo. Mas há um elemento decisivo: esperança de posse ou de acesso.

  • Se existe alguma chance realista de acesso, o apego pode crescer.
  • Se algo é absolutamente inalcançável (um carro caríssimo, um iate de cem milhões de dólares), podemos até admirar, mas dificilmente vamos nos apegar e ficar ruminando aquilo.

Com pessoas, funciona igual:
Sem esperança mínima de reciprocidade ou de acesso, o fascínio tende a se manter mais no campo da fantasia passageira do que no da construção de vínculo.


Nem todo mundo se casa com “o mais desejável”, mas quase todo mundo ama

Quando perguntei a pessoas casadas se tinham se casado com a pessoa mais desejável do grupo na época do namoro e casamento, a grande maioria disse não.

Isso é totalmente esperado. Em qualquer grupo, há uma pequena quantidade de pessoas muito desejadas por quase todos, e, por isso, é impossível que todos fiquem com elas – há escassez e há escolhas mútuas entre os mais valorizados.

Mas quando perguntei se tinham se apaixonado pelos futuros cônjuges antes do casamento, a grande maioria respondeu sim.

Frases típicas:

“Ela me conquistou. No começo eu não a amava.
Foi se aproximando, insistiu, ficou perto, e aí eu desenvolvi meu amor por ela.”

Isso mostra que:

  • Não é preciso ser a pessoa mais desejada do ambiente;
  • É preciso, sim, não ter vetos fortes, ser minimamente compatível, estar num raio de visibilidade e convivência, e permanecer ali tempo suficiente para o vínculo trabalhar.

O lugar faz o líder; o lugar faz o amado

Nessa mesma linha de atributos construídos pelas circunstâncias, estudos mostram que, em grupos, o líder geralmente se senta na cabeceira da mesa, e sentar-se na cabeceira aumenta a chance de ser percebido como líder, mesmo quando a pessoa foi sorteada para sentar-se lá.

Da mesma forma:

  • Estar em posições de visibilidade,
  • Acessar lugares onde circulam possíveis parceiros,
  • Ocupá-los como alguém viável, disponível e sem vetos gritantes,

aumenta bastante a chance de que o papel de parceiro amoroso seja atribuído a você.

Nos casamentos arranjados, e em muitos namoros que começaram “por conveniência”, as pessoas não começam amando. O amor pode vir depois, com a convivência, e com isso:

  • Características negativas são relativizadas,
  • Características neutras viram positivas,
  • A percepção se distorce favoravelmente em direção à pessoa a quem estamos nos apegando.

É o mesmo mecanismo que faz a mãe ver seu filho como “o mais lindo”, o torcedor ver o seu time como mais valoroso, o amante ver seu amado como mais especial.


Dois caminhos, um mesmo fundamento

Podemos resumir assim:

  1. Caminho 1 – Faísca inicial
    • Capital inicial adequado, sem vetos fortes,
    • Há características admiráveis mais fortes (beleza, charme, status, talento),
    • Elas produzem fascínio rápido,
    • Se houver esperança de reciprocidade e ausência de vetos, o amor pode nascer “de cara”.
  2. Caminho 2 – Amor que vai surgindo

Nos dois casos, o ponto central é o mesmo:

A chance de nascer o amor depende muito mais de não haver características intoleráveis (absolutas e relativas) e de haver visibilidade, do que de a pessoa ter qualidades admiráveis excepcionais.

Ou seja:
para muitos de nós, o grande trabalho não é “virar alguém espetacular”, e sim:

  • Escolher e ser escolhido por alguém compatível
  • Abaixar as barreiras que nos separam das pessoas disponíveis atrás das próprias barreiras.
  • Tirar do caminho o que é intolerável (nosso e do outro),
  • Aparecer como parceiro amoroso possível,
  • Criar oportunidades reais de convivência,
  • (Texto editado com auxílio do ChatGPT)