O valor de uma pessoa pelo modo de ser e se comportar
Quando falamos em “valor” de uma
pessoa como parceira amorosa, é fácil pensar logo em dinheiro, aparência, nível
cultural, currículo. Esses fatores existem, claro, e fazem parte do capital
inicial: ajudam a definir com que grupos eu tenho chance real de me
conectar (homogamia) e se eu passo ou não pelos filtros de veto (não
ter características muito desmerecedoras ou intoleráveis).
Mas, dentro do campo dos
elegíveis – isto é, entre as pessoas com quem há razoável semelhança em
nível de vida, sem vetos graves – o que decide o jogo deixa de ser dinheiro,
beleza ou títulos.
Passa a ser, sobretudo, o modo
como a pessoa é e se comporta, momento a momento, e o efeito contínuo disso
sobre quem convive com ela.
Podemos organizar essas fontes de
valor em três grandes blocos:
- Como a pessoa é – o seu modo de ser, sua energia, sua
presença.
- O que ela faz na relação – como trata, escuta, apoia e lida com o
outro.
- O prestígio que ela carrega – o valor simbólico de ser visto ao lado
dela.
1. Capital de personalidade: valor pelo modo de ser
Aqui entram as qualidades que
fazem alguém ser valioso pelo jeito de existir no mundo:
- como lida com problemas e frustrações;
- como aproveita a vida;
- quanta energia coloca nas coisas;
- sua capacidade de estar presente;
- seu grau de responsabilidade;
- sua independência e assertividade (sem
agressividade);
- sua abertura para ver coisas boas na vida,
sonhar e agir;
- ser batalhadora: querer algo e construir isso com esforço;
- seu lócus de controle interno:
sentir-se agente da própria vida;
- sua disposição para expandir os limites do
eu (aprender, evoluir, se transformar).
Esse conjunto produz algo que, em
linguagem comum, chamamos de:
- carisma,
- charme,
- magnetismo,
- “vibração boa”.
Não estamos falando de perfeição,
nem de alguém que vive num estado de euforia permanente.
Pontos importantes aqui:
- Pessoas mais tranquilas, introvertidas ou
contemplativas também podem ter alto valor de personalidade:
- pela calma que transmitem,
- pela profundidade com que pensam,
- pela estabilidade e coerência,
- pela delicadeza com que se relacionam.
- O que conta não é ser “performático”, mas ser
uma pessoa viva por dentro, com algum tipo de energia própria:
- pode ser energia expansiva (quem agita, cria,
puxa);
- ou energia serena (quem organiza, acalma,
oferece porto seguro).
Quando há homogamia básica
(nível de vida, valores, estilo de mundo) e ausência de defeitos excludentes,
esse capital de personalidade passa a ser decisivo.
É ele que faz alguém se destacar,
dentro do universo em que ambos sabem que têm chance real de se escolher e
ser escolhido.
2. Capital relacional: valor pelo que faço com e para o outro
É o aspecto mais falado nas redes
sociais quando se discute “como melhorar relacionamentos”:
- saber ouvir,
- apoiar,
- validar,
- dar importância,
- conversar com atenção,
- querer o bem do outro,
- ajudar materialmente quando possível,
- ser confiável,
- ser comprometido.
Isso tudo é, de fato, muito
importante. É o que faz a pessoa ser boa companhia, boa amiga, boa parceira:
alguém com quem posso contar e diante de quem posso me mostrar.
Mas há uma nuance crucial:
As mesmas ações têm pesos muito
diferentes dependendo de quem as realiza.
Ouvir, validar e apoiar são
ótimos.
Mas:
- quando isso vem de alguém que considero
admirável, íntegro, carismático, que leva a vida com coragem e
responsabilidade,
- o impacto é bem diferente de quando vem de
alguém em quem não confio, não admiro ou vejo como pouco consistente.
A mesma frase de apoio:
- pode ser profundamente curadora se vem de
alguém que eu respeito e cuja opinião valorizo;
- ou pode quase não mexer comigo se vem de
alguém que eu não levo muito a sério.
Por isso, capital relacional
(o que faço pelo outro) e capital de personalidade (quem eu sou) não
podem ser separados.
Na relação saudável:
- eu não anulo o interlocutor;
- reconheço seus méritos;
- tento entender o que se passa com ele;
- ajudo, dentro do possível, a se realizar.
Mas também:
- não viro apenas um “prestador de serviço
emocional”,
que só valida, apoia, incentiva e se apaga.
- o cuidar precisa ter limites para não virar
servidão:
- eu cuido do outro sem abandonar a minha
própria vida e dignidade.
3. Capital simbólico: valor pelo prestígio que irradia
Uma terceira fonte de valor é o prestígio
social que a pessoa carrega:
- o respeito que ela tem no seu meio;
- a admiração que desperta nos outros;
- o reconhecimento de sua competência, ética,
trajetória.
Estar com alguém assim costuma
ser:
- lisonjeiro (“alguém assim me escolheu”),
- validante (“se essa pessoa me quer por perto,
devo ter valor”),
- um selo indireto de qualidade para quem está
ao seu lado.
É natural que isso pese:
- sentir que a pessoa é admirada, respeitada,
bem-vista socialmente,
- perceber que, de algum modo, estar com ela
também comunica algo sobre mim.
Esse capital simbólico é
real e conta. Mas tem dois lados:
- Lado luminoso
- Inspira crescimento (“quero ser alguém à
altura desse vínculo”);
- Dá orgulho de apresentar o outro;
- Reforça a autoestima de forma saudável quando
combinado com respeito mútuo.
- Lado sombrio
- Pode gerar relações assimétricas, em que um
se sente “lá em cima” e o outro “sempre abaixo”;
- Pode levar a idealização: “qualquer migalha
dessa pessoa já está bom, porque o valor dela é enorme”;
- Pode ser usado (consciente ou não) como
instrumento de poder e manipulação:
- “Você tem sorte de estar comigo”;
- “Veja bem se quer perder alguém como eu”.
Por isso, é importante lembrar:
O prestígio aumenta o impacto das
ações da pessoa – para o bem e para o mal.
Um elogio vindo de alguém muito
admirado pode levantar o dia.
Uma crítica ou rejeição, vinda da mesma pessoa, pode doer dez vezes mais.
Relações mais saudáveis tendem a
caminhar na direção de:
- admiração recíproca,
- reconhecimento dos pontos fortes de ambos,
- lugar para vulnerabilidades dos dois, sem um
viver eternamente como “o inferior”.
4. Quando a homogamia está dada, quem decide o jogo?
Se coloco tudo isso junto, o
quadro fica mais ou menos assim:
- Primeiro, preciso passar pelos filtros básicos:
- homogamia razoável (não estar muito acima ou
muito abaixo do mundo do outro);
- ausência de vetos fortes (características
realmente desmerecedoras ou intoleráveis).
- Dentro desse campo de elegíveis, o que começa a decidir o jogo é:
- o meu modo de ser (capital de
personalidade),
- o meu modo de me relacionar (capital
relacional),
- o prestígio simbólico que carrego e a
forma como lido com ele.
E, nesse ponto, é fundamental
notar:
- dinheiro, beleza, grau de escolaridade continuam
importantes,
- mas não são eles que atuam momento a
momento na interação.
O que vai realmente:
- prender a atenção,
- me modificar,
- me dar vida,
- me fazer reagir e ser reagido,
é o jogo fino do dia a dia:
- a vibração da pessoa;
- a forma como ela olha para mim;
- o tipo de atenção que concentra em mim;
- o prazer (ou o desgaste) de estar na sua
companhia;
- a confiabilidade;
- a construtividade;
- a positividade sem negação da realidade;
- a transparência;
- a coragem de falar e ouvir coisas difíceis;
- a maneira como tudo isso acontece sem me
desmerecer, sem me pôr para baixo.
Quando encontro alguém assim – com
base homogâmica adequada, sem vetos fortes e com esse tipo de presença e
relação – é isso que, na prática, decide o jogo.
É com isso que eu convivo.
É isso que está ativo momento a momento, continuamente, muito mais que a
conta bancária ou o diploma pendurado na parede.
5. A combinação que torna o vínculo especial
Podemos resumir assim:
Um relacionamento se torna
especialmente valioso quando, na experiência do cotidiano, se combinam pelo
menos dois grandes movimentos:
- “Estou com alguém que admiro”
- pessoa com valor de personalidade e
simbólico: íntegra, viva, responsável, interessante, com qualidades que
respeito.
- “Esse alguém que admiro realmente me
considera”
- me ouve,
- me dá atenção,
- leva minhas questões a sério,
- quer o meu bem,
- contribui para eu me realizar.
Quando essas duas coisas acontecem
juntas:
- não é só “alguém legal que cuida de mim”,
- nem só “alguém admirável que mal olha na minha
cara”.
É alguém de alto valor, aos
meus olhos, que me escolhe e me trata como alguém valioso também.
Essa combinação é uma das grandes
forças que explicam:
- porque certos vínculos nos transformam;
- porque certas relações, quando acabam, doem
tanto;
- porque às vezes aceitamos menos do que
deveríamos, só para não perder a validação de alguém que consideramos
muito.
O desafio, para quem pensa o amor
de forma adulta, é construir relações em que:
- ambos tenham valor e se vejam com respeito,
- ambos recebam e ofereçam cuidado,
- o prestígio de um não esmague o outro,
- o cuidar não vire servidão,
- e em que o “jogo sendo jogado momento a
momento” seja, na média, algo que nos põe mais de pé do que de joelhos.
Devemos considerar ainda que,
quando há o ponto de fusão, a pessoa perde a objetividade: o outro se
torna valioso, insubstituível.
Aí, todas as coisas que ela faz ou
deixa de fazer são reavaliadas; a gente perde a objetividade.
Quando a gente admira, quando a
gente considera alguém um líder, um mito – isso também acontece no
relacionamento amoroso e com filhos – o outro fica acima da crítica em
grande parte.
Ele tem um valor tão grande que as
coisas que vêm dele nós temos tendência a:
– aceitar;
– distorcer favoravelmente;
– e, no caso das coisas ruins, diminuir, subestimar.
Nesse ponto, outros comportamentos
são reavaliados favoravelmente ao parceiro.
Observações breves
Você introduz aqui um componente
crucial: a distorção da percepção quando há fusão/apaixonamento intenso ou
idealização.
- O “ponto de fusão” (apaixonamento, amor
parental, idolatria de líder/mito) faz o outro se tornar:
- insubstituível,
- acima da crítica,
- um referencial absoluto.
- Isso mexe diretamente com a análise anterior
sobre valor:
- antes, falávamos de atributos reais (modo de
ser, modo de se relacionar, prestígio) e seus efeitos;
- a partir de certo nível de apego e admiração,
a mente passa a recalcular tudo a favor do outro:
- ações neutras viram provas de valor;
- ações ruins são minimizadas, racionalizadas,
até invertidas.
Isso é praticamente a cristalização
stendhaliana aplicada esse modelo:
o valor objetivo da pessoa
importa, mas, depois do ponto de fusão, o valor subjetivo explode e distorce
a leitura do comportamento real.
“Quando o valor explode: fusão, idealização e
perda de objetividade”, mostrando como o mesmo mecanismo que dá força ao vínculo também
aumenta o risco de cegueira, tolerância a maus-tratos e autoengano.
(Texto editado com a ajuda do ChatGPT)